14 abril 2014

Crianças sem histórias pra contar

Tenho a testa meio afundada, proeza que consegui depois de bater a cabeça contra a parede numa brincadeira com meu irmão. Também tenho uma leve cicatriz na bochecha, que ganhei quando caí no meio de uma roseira andando de bicicleta, na rua. Aliás, foi com a bicicleta que também ganhei outra marca no pé ainda na infância. Falando assim, pareço um Frankenstein, mas a verdade é que já nem tenho tanta cicatriz assim pra contar histórias. Algumas delas ficaram só na lembrança. Já passei dos 30 há um bom tempo e a pele, atualmente, dá sinais da vida que tem insistido em passar depressa e não da infância bem vivida.

Posso ter rugas, mas não sofro de tendinite ou tédio como as crianças de hoje em dia, que lá na frente vão lembrar das noites de inalação no hospital por causa do ar condicionado no quarto e não do gesso no braço quebrado assinado pelos amigos com canetinhas coloridos. A verdade é que elas sabem de tudo, menos como é bom ser criança.

Eu tinha hora pra dormir, mas nem era preciso ser lembrada pela minha mãe. Brincava tanto na rua que chegava esgotada no fim do dia. Pulei tanta amarelinha, brinquei tanto de pega-pega, me sujei muito nos parquinhos e toquei tanta campainha, que não sei como as crianças dessa geração conseguem passar o dia trancadas em casa, com um tablet na mão e um controle de videogame na outra.

Seria limitado demais achar que, com tanta evolução na humanidade, os pequenos continuariam os mesmos, iguais àqueles com quem cresci. Porém, ao invés de evoluir pro bem, a meu ver, a infância tem deixado de existir. Crianças já se portam como adultos: as meninas se maquiam, andam com roupas da moda, idolatram a Miley Cyrus, têm celular e até conta no Facebook. Os meninos tem agenda social, vão à festinhas e se desdobram pra dar conta das atividades extra-curriculares.

Ninguém mais passa a tarde estudando em casa, assistindo Chaves no fim do dia, antes do banho e do jantar. Depois da escola, enfiam os pequenos no judô, no karatê, no balé, na natação, no inglês e no curso de circo. Posso estar completamente enganada, mas ainda acho que criança deve continuar sendo criança. Devemos deixar que brinquem, que se sujem, que corram e que se machuquem bastante pra que cresçam com histórias pra contar.

Hoje, pensando, cheguei à conclusão: Me tornar adulta, talvez, tenha sido a coisa mais idiota que eu fiz na vida.

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